afundei num desses acessos ao metrô pra fumar um cigarro porque lá na avenida estava muito frio e o vento apagava o fósforo. logo nos primeiros degraus eu sentia o calor que vinha debaixo, o calor do fogo do inferno que enfrento todos os dias. as pessoas praguejam e tenho que ouvir. pessoas brigam e tenho que assistir. pessoas peidam e sou convidado a cheirar. parei num dos patamares da escadaria e fiquei por ali. não havia ninguém. nenhum som. perfeito. fumava meu cigarro entre o céu e o inferno. sozinho até o próximo metrô chegar e despejar mais gente. passos. vieram me buscar. ultrapassei os limites da condicional. me deram liberdade por ser considerado perigoso quando sozinho. meu crime? a terapeuta disse que sou sociopata, algo parecido com Manson, Luz Vermelha, Lee Oswald. diagnóstico errado, doutora, não sou idealista como eles. matar? não quero facilitar a vida pra ninguém. as coisas são mais interessantes do jeito que estão, com todo mundo balançando seus traseiros por aí, eu disse. alguém vai chegando cada vez mais perto. ansiedade. uma mocinha aparece na ponta da escada e, juro por Deus, percebi suas nádegas contraindo de tanto pavor. por alguns segundos não sabia se avançava em seu trajeto ou descia, se gritava ou se padecia do mesmo silêncio que vinha de seu peito. não tive certeza se aquilo que umedecia suas coxas e um pouco do vestido era urina ou resultado de um prazer reprimido de ser possuída aparentemente contra sua vontade. meu pau esboçou alguma reação. fiz com a mão para que pudesse passar e ela foi embora. não agradeceu. por ali passaram negros, brancos, putas, terminais, velhos, manquitolas, punguistas, chinas, judeus, budistas, alcoólatras, esquizofrênicos, modernetes, muita gente em pouco tempo. coisas assim me deixam maluco. e todos eles, ao toparem com a minha figura, demonstraram o mesmo medo e o mesmo asco que sinto por eles. esse pânico coletivo possui várias faces. ele pode estar te olhando neste exato momento mas você não sabe de onde. mas todos sempre o imaginam espreitando na próxima esquina, no próximo táxi, na próxima estação, produzindo aquele ar pesado o suficiente para apagar o meu cigarro. jogo a guimba num canto e me junto a massa. meus pulmões agradecem.
JS