latinoamerica
2.4.04
  Cabeça de moça (Drunken girls do not fall in love)

Marie e John.O que era para ter sido perfeito e não foi.Algo que foi se transformando e tornando-se mais intenso com o passar do tempo.O que deu errado? Ninguém jamais saberá.A cena talvez possa ser forte demais - recomendo aos mais sensíveis que abram bem os olhos mas, por favor, tapem os ouvidos do coração, entupam as artérias, acendam um cigarro; abram um bom vinho.As palavras aqui escritas cortarão como faca a cabeça dos apaixonados, soarão num silêncio ensurdecedor aos ouvidos daqueles que já sentiram o cheiro torpe da traição.
Isso aqui não é Machado de Assis.Não há Bentinhos, Capitús, cartomantes.Isso aqui é um bar subterrâneo do centro da cidade, onde muitos ganham e perdem nas mesas de pôquer, muitos amam e odeiam no longo balcão.Aqui, para muitos, vida e morte se misturam em meio às notas de guitarra e a melodia do Blues.Um cara se aproxima de uma garota.Não há só um tamborete vazio como um coração também.A garota é uma daquelas que vivem a procura de divertimento rápido e amor bandido.Vivem perambulando pelos cinemas do centro velho, pelas praças ou simplesmente viram moscas de bar nos muitos que existem na treze de maio.Ela seca o seu copo e pensa em seu príncipe encantado.O cara espreita e chega a conclusão de que conheçe bem o tipo.Sabe muito bem o que falar, como olhar, como agir.
- Garçom, um duplo pra mim e um scotch com soda pra moça aqui ao lado.
- Eu poderia te amar pela vida inteira, meu bem. - disse a garota tirando um maço de cigarros da bolsa.
- Aposto que sim.
As bebidas surgem no balcão.
- Você parece um pouco maltratada pela vida.O que aconteceu ultimamente?
- Escute.Eu conheço muito bem homens como você.Sei que vamos beber muito, e que daqui a algumas horas estarei apaixonada e inerte em seus braços.Irei fazer loucuras por você e, quando você se cansar de mim, quando eu deixar de ser a mulher mais interessante da cidade, serei sacada rapidamente da sua vida da mesma forma que nela entrei.Logo estarei aqui no bar outra vez, tomando um drinque sem sequer saber o seu nome.
- Às vezes a situação não é tão drástica assim...- disse o cara, acendendo o cigarro da garota.
- Fique quieto, amorzinho.Deixe-me sentir o sangue correr por minhas veias.Deixe-me pensar se vale a pena viver e esperar pelo príncipe encantado - disse a garota envolvida pela fumaça de seu cigarro.
- Você realmente acredita nisso? Isso é ilusão!Você é esperta, serei sincero com você.Não estou nem um pouco afim de me tornar o seu príncipe encantado.Na verdade, você é apenas um rostinho triste e bonito contrastando num ambiente grosseiro e falso.É como se fosse uma rosa que apareceu bem no meio de um aterro sanitário.E eu quero sentir seu cheiro, tocá-la, ver se realmente é real.
- Você só quer se divertir com algo inusitado, como uma criança quando acha um brinquedo no lixo...
- Pode ser.
- É....- suspirou a garota depois de acabar com o scotch. - Chegou tarde demais, meu bem.Já me disseram isso.E foram estas palavras que me tornaram o que sou hoje.Eu um dia acreditei.Não acredito mais; eu apenas espero por um milagre tardio.Todos sonhamos com príncipes e princesas mas, no despertar para a realidade, somos apenas nós e a escuridão de nossos quartos de hotéis baratos.
Ficaram um tempo em silêncio.O suficiente para que muitos fossem embora.A velha guitarra agora estava muda, de castigo, sozinha, virada para a parede.Alguns ainda arriscavam mais uma partida de carteado.O garçom se encarregava dos copos e lançava um olhar nada agradável para todos, para ver se assim iam finalmente embora.
- Outro drinque? - perguntou o cara.
- Vamos acabar com a noite antes que ela acabe com a gente.
O garçom foi chamado e a conta foi paga.Subiram as escadas em direção a rua e dobraram a esquina chegando ao final de um beco.Não deram as mãos. Tambem não se olharam.A garota apenas colocou seu suéter enquanto o cara se preocupava em chutar alguns sacos de lixo que estavam pelo caminho.Depois de um tempo em silêncio, o cara se aproximou e deu um beijo breve na garota.
- Só isso? - perguntou a garota.
- Só estou começando, querida...
Ficaram um tempo se beijando até a garota interromper.
- Por favor, pergunte o meu nome.
- O que isso importa agora?
Silêncio.
- Pode pelo menos dizer o seu?
- Certo, certo.Quer dar um nome ao seu sentimento de culpa? Pois bem, chame-o de John.
Ele puxou o corpo da garota contra o seu e começou a beija-la num ritmo frenético.O corpo da garota pendia triste para o lado.Marie e John.O que era para ter sido perfeito e não foi.Um vento frio soprou e ratos e baratas entravam em suas tocas.Daquela noite, apenas a lua, eu e um poste elétrico fomos testemunhas - espectadores inanimados.São poucos os que acham uma rosa em meio à merda.São muitos os que brincam de mal-me-quer.
Marie sonhava com seu príncipe encantado enquanto John tocava o seu sexo.

Sobrante
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johnsobrante@hotmail.com

 
 
Casamento

Foi quando fiquei sabendo que Alice havia se casado com um rapaz de carreira promissora no ramo da venda de seguros de vida.Tudo bem, até os amigos um dia se casam.Mas o que mais chamou a minha atenção nesse fato que ocorrera com minha antiga amiga é que ele remonta ao meu passado; faz com que memórias dura e penosamente trancafiadas no mais oculto e obscuro nicho do meu subconciente - muitas destruídas pelo amargor da precoce vida adulta - voltem à tona, trazendo-me devolta a figura de um colegial suburbano, ébrio e inconseqüente - que teima em continuar vivo dentro de mim.
A notícia veio da boca de um amigo que se encontrava no mesmo bar que eu.Era um dia de sábado, cuja tarde suscitava à uma reflexiva e nostálgica caminhada pelo centro da cidade.De dentro do bar eu podia sentir o vento soprando e fazendo balançar as enormes folhas das palmeiras que se estendiam pela alameda, irritando os olhos dos transeuntes sempre apressados, levando embora as folhas secas no chão bem como os anos de minha vida, como se esses fossem grãos de areia que foram se acumulando com o passar do tempo em minha face; deixando-me opaco, sem vida.
Aquele deslocamento de ar fez o tempo regredir: agora eu era um simples estudante, de tênis All Star, calça jeans e camiseta dos Ramones, que fazia do porre aos sábados sua maior preocupação na vida.Meu amigo também rejuvenescera; como tudo que estava ao meu redor.Eu podia ver novamente as garotas que me deixavam num profundo estado de torpor quando passavam e espalhavam pelo ar o cheiro doce de uma água de colônia qualquer.Na rua os carros ainda passavam soberbos, brilhantes, exibindo rostos jovens a procura de companhia para a noite.
Eu observava a tudo calado.Me limitava apenas a dar um leve e cético sorriso.Era impossível acreditar que os deuses haviam me dado outra chance." Malditos! Sentados numa mesa de bar e decidindo o que fazer com a vida de nós, pobres mortais, que merecem a piedade do Onipotente, obrigado." Alice entrou no bar e nos avistou.Deu um beijo breve no meu rosto e no de meu amigo e entrou na conversa.Pedimos os drinques.Nossa conversa tola, sobre coisas e pessoas tolas se extendeu pela noite e esvaziou nossos copos e encheu o cinzeiro.Em meio a eloqüência do momento lhe perguntei sobre seu marido.Ela apenas se levantou e me deu um beijo.
E então ele veio à galope.Veio como uma bala de fuzil a atingir uma vidraça, espalhando os estilhaços pelo chão.O tempo, com um forte sopro, levou embora não só minha juventude como também mostrou o que ele havia roubado de mim; o que eu pensava que havia perdido.Arrependido do furto que fizera, me devolveu tudo como era antes - gente enlouquecida, conta de gás e previdência social.Velho de gravata vermelha levanta-se, faz um comprimento cordial aos companheiros de desespero e parte para a rua pensando se a noiva iria gostar de uma cafeteira de segunda mão.

J. Sobrante








 


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