latinoamerica
7.6.06
  infortúnio
tornei-me ex-desempregado novamente. não fiz muito esforço para conseguir, confesso. mas também acredito que não foi por acaso. chega uma hora em que o Ventríloquo que rege nossas vidas fica entediado com mentes, copos e, sobretudo, bolsos vazios. ficamos sem-graça. nossa existência perde o propósito de ser. o criador entra em choque movido pelo seu sadismo misturado com um perfeccionismo doentio e, como qualquer artista insatisfeito, arremessa a criatura na lata do lixo. ou lhe arruma um emprego. Se você é um daqueles que não possui um, ou não acredita no Ventríloquo, não se preocupe. no mercado há um especialmente feito para você, consulte um catálogo e veja os inúmeros tipos; todos equipados de acordo com sua conveniência e para sua melhor comodidade.

eu abdiquei de levar uma vida normal e andei investindo nas letras um tempo atrás. o editor de uma revista mandou uma carta relatando sua análise acerca da ausência de erotismo em meus troços. mandei então um texto onde descrevia os pormenores da noite em que uma garota decidira tomar um porre para chamar a atenção do pai que, segundo ela, era maluco. caindo de bêbada, acabou aceitando a carona oferecida pelo cara que bebericava cerveja no balcão e havia achado seu par de seios razoável. no carro, o celular.


“alô”
“Sua filha andou bebendo um bocado. Vou levá-la para casa”
“tome cuidado, rapaz, ela é meio rasa. muitos reclamam da profundidade”
“obrigado, senhor”


dias depois veio a segunda correspondência e alguém frisava em letras trêmulas que tinha um conhecido trabalhando como investigador, e que ia mandar vasculhar a porra da minha vida, sujar o meu nome junto aos literatos da academia e algo como “tenho uma filha para criar e proteger das mãos de vermes como você”. nunca mais escrevi contos eróticos. não paga-se muito por textos com esse conteúdo mesmo; além do que, afinal, parecem manipular de modo desconhecido, até mesmo por Freud e seus seguidores, o subconsciente dos cidadãos de bem. e eu não quero levar essa culpa para o meu túmulo.

telefone berra e alguém diz que descolou um emprego para mim. oito horas, segunda à sexta, dois ou três contos por semana. o fato é que alguém agora estava no meu encalço. a Copa do Mundo chegando e eu não irei assisti-la porque o Ventríloquo mexeu seus pauzinhos e me privou do maior espetáculo do planeta - o de respirar a vida. assim, fácil, eu apenas queria ser como meu cão, sentado há dias no sofá, lambendo o próprio saco, desdenhando do mundo. e a morte faria sentido ali.
Sobrante
 


trago?
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