MEN'S TRUE ACTION
ela jogou a guimba no cinzeiro, tomou o resto do café. vestiu um suéter, caminhou, apoiou-se na janela. estava frio lá no décimo primeiro. pulou. passava algumas tardes à cama recordando os conselhos dados por aquela tia-avó de Bragança, quando debutante: “Sereno era amigo da Constipação“, “aperta-me o calo, cai do céu a chuva“. risos. no entanto vieram os anos seguintes, a formatura, o êxodo, as letras, as perdas, a insônia, as noites, o vício, e a sensação de que nada mais de novo viria dali em diante, tornara-se macaca velha. da seção de anúncios do jornal veio a grande idéia, regressão, em letras garrafais; a idéia de voltar no tempo atuava em seu cérebro como um analgésico, a dor em pouco tempo cessaria, o corpo amolecendo, apenas um telefonema, algumas reuniões, súbito, e a paz viria por meio das coisas simples, das coisas de menina, quando queria ser livre e límpida como uma gota de chuva. não haveria mais calos, não naquela noite.
quanto a ele, decidira seguir fielmente às prescrições médicas. longe de bebidas, barbitúricos, simbolistas, do jogo, e sobretudo, como o médico havia lhe dito fitando-o por cima das lentes, manter distância das grandes idéias de reformulação e socialização dos meios de produção, bem como de toda e qualquer forma de expressão intelectual, seja ela por livros, nudismo, ou perturbação em vias públicas. ele estava determinado na coisa. vestia meias, um jeans, e passava dias e noites inteiras sentado numa cadeira de madeira com o encosto voltado para si. só percebeu a fúnebre ausência e o coração vazio quando o perfume, súbito, havia desaparecido no ar.
John Sobrante