Metáfora*
Sonhos repetidos. Indefinido sentimento foi o que eu senti por muito tempo. A perseguição implacável, a sensação inominável de ter um encontro marcado comigo mesma, com a parte de mim que não queria calar. Gritava, escancarava todos os meus medos e mostrava que eu era fraca. Ria o tempo todo da minha cara, mas com austeridade constante.
A cena era a mesma: sozinha. O tempo, o lugar mudavam a cada dia, mas sabia como iria terminar. Mas nunca terminava: solidão, alerta, perseguição e então a realidade.
A nossa relação sempre foi de amor e ódio. Uma situação que de alguma forma sempre volta à tona. Periódica, inconstante, mas sempre me deparo em círculos com ela. O silêncio, precedido, a tempestade que se prossegue, silenciosa.
Eu. E ele. Dois seres em um só. Não poderia ficar sem vê-lo. Aquela paisagem eu precisava, necessitava para respirar. E o encontrava, como era bom admirá-lo por horas. Mas foi nesta relação que descobri a traição, pura e mordaz. Quando você está no ápice do prazer, ela te tira tudo, te deixa sem ar. E nunca termina por completo.
Eu tinha cerca de 10 anos. A areia fofa e clara, as duas montanhas sublimes tão próximas e eu no auge da minha ingenuidade. Não tinha amarras, era o mundo dentro de mim. Nada me detinha.
A não ser o mar. O horizonte à minha frente que não poderia ultrapassar. O dia nublado, declarando o mau presságio, o choque, uma mão amiga, o desespero conjunto, a figura do meu pai.
O choro que queria transpô-lo, a realidade nua e crua à minha frente que quase poderia tomar de mim mesma. Medo, puro e simples. Raiva.
A segunda tentativa, a segunda derrota. Minha insistência pueril, a esperança de transformar que nunca acaba. Logo, a falta de ar, outra mão amiga, não conhecida desta vez.
Metáfora de minha vida, a lembrança desta experiência me acompanhou durante longo tempo nas noites melancólicas. Gigantescas ondas me perseguiam onde quer que eu estivesse até uma hora em que me vi dentro do mar quando elas chegavam.
Um desejo incontido de experimentar essa memória relacionava-se com filmes catástrofes de Hollywood. Agora, do alto dos meus vinte anos, eu ainda temo a falsidade do mar e da vida. Mas as ondas ficam menores quando um maremoto oriental surge em nossas vidas. Profética? Talvez.
*cortesia de Mary y sus ojos muy abiertos