NOTA: As crônicas abaixo publicadas são integrantes da seção crônicas do meio-dia e da meia-noite – palavras despreocupadas que foram mal escritas nos horários em que a insanidade humana atinge o seu fastígio.
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CRÔNICA DO MEIO-DIA
Abdulla
J. Sobrante
Abdulla era um homem de verdade. Tipo atlético que fazia do clube de regatas palco de um espetáculo de perfeição e beleza em forma humana. Remava com movimentos rápidos, precisos, fortes; arrancava urros e aplausos de uma platéia carioca de pele queimada pelo sol, cujos pentelhos ousavam, mesmo que de maneira tímida, ultrapassar as fronteiras que os maiôs marotos da época tentavam delimitar. Abdulla lhes proporcionavam orgasmos, talvez múltiplos.
A Tropicália e o sexo ainda surtiam efeito na multidão que lotava o calçadão da orla.As latas de cervejas eram estraladas enquanto na telinha da barraca o Capita levantava a taça do tri.
Nos anos 70, matava-se o tempo indo para a praia no final da tarde. Levávamos sempre a melhor de nossas garotas para persuadir o cara do morro a abaixar o preço da erva. O dia era de sorte quando encontrávamos o pessoal da PUC com um rádio a pilha tocando Buarque. O borrifo das ondas que quebravam umidecia nossa manga rosa enquanto o cair da noite nos convidava à boemia.
Repelir as mais ébrias e solícitas de nossa turma era algo que me excitava e, ao mesmo tempo, me fazia sentir nojo. Íamos para a Lapa, e dentro do carro alguns casais já arriscavam suas preliminares. Tudo o que eu queria era ver Abdulla deslizando pela rua, de chapéu branco enrolando o seu cigarro.
Circulava pelos bares fluminenses que Abdulla era uma boa foda. Homem de verdade, esse. Apesar de toda a cerveja, de todo o verão e de ter fumado até o sumo, a noite será cinzenta se não entrarmos como dois loucos num destes motéis de quinta; faríamos um amor prosaico, seco, mudo, porém intenso; eu te faria desejar que a noite nunca acabasse, eu deixaria a bandeira branca cubrir a nossa nudez nestes tempos de carnaval.
Mas não dá para competir com as garotas de corpo esgalgo de Ipanema. Não dá para desviar os seus olhares daquelas que te compram com cocaína nas festas do seu clube elitista. Também não dá para competir com o amor da tua mãe e a intolerância do teu pai, que nunca aceitaria nossa loucura de verão, meu estimado irmão Abdulla.
Rema e suma nesse horizonte de fim de tarde; leva no seu barco, para sempre, esse meu devaneio ébrio e pueril.
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